quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Contra a sanha dos planos de saúde, usando Sandel

Michael Sandel, refletindo sobre os limites morais do mercado, diz: "a era do triunfalismo de mercado chegou ao fim. A crise financeira não serviu apenas para pôr em dúvida a capacidade dos mercados de gerir os riscos com eficiência. Generalizou também a impressão de que os mercados desvincularam-se da moral e de que alguma forma precisamos reestabelecer esse vínculo" (2012, p.12). Os valores de mercado chegaram a esferas da vida com as quais nada tem a ver: preços na saúde, "segmentação" de tratamentos e pessoas de acordo com contratos leoninos.

O Código de Ética Médica - e os planos de saúde, creio, devem alguma obediência a ele - afirma como princípio: "a Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio"; não cabe, como cabe no comércio, os cálculos de máximo lucro com mínimo dispêndio,  a busca do acúmulo de dinheiro como fim em si mesmo.

O Código do Consumidor informa ainda que é excessiva e onerosa qualquer cláusula contratual que ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico (dignidade da pessoa humana, proteção dos vulneráveis, preservação e promoção da saúde, justiça, boa fé p.ex.); restrinja direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual (qual seria a natureza de um plano de saúde, senão prover a assistência à saúde?); mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso (qual justiça existe quando uma família, que paga religiosamente seus boletos, tem que suportar os custos da doença, se ela ocorre?).

Segundo Resolução Normativa da ANS (RN 211), art. 12, o atendimento deve ser assegurado independente da circunstância e do local de ocorrência do evento, respeitadas a segmentação, a área de atuação e abrangência, a rede de prestadores de serviços contratada, credenciada ou referenciada da operadora de plano privado de assistência à saúde e os prazos de carência estabelecidos no contrato. A Operadora recusar-se a arcar com despesas de um hospital sob justificativa de ser de "alto custo" representa, muitas vezes, um custo ainda mais alto; na minha história, era a potencial morte de minha filha.

Na frente de um caso raro, de atenção à saúde de uma recém-nascida que demanda serviços específicos, o mercado deturpa valores e corrompe o significado da vida, tradicionalmente "sem preço", quando se esquiva de um dever que é legal, moral, ético. Novamente, Michael Sandel: "quando decidimos que determinados bens podem ser comprados e vendidos, estamos decidindo, pelo menos implicitamente, que podem ser tratados como mercadorias, como instrumentos de lucro e uso. Mas nem todos os bens podem ser avaliados dessa maneira. O exemplo mais óbvio são os seres humanos" (2012, p.15).

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